segunda-feira, 30 de julho de 2012

O RESTAURANTE DO JOAQUIM - 3ª Parte, história de Ilona Bastos


Pintura de Nicholas Roerich




- Pai, vou fazer uma expedição ao Himalaia. Quero subir ao Evereste, a montanha mais alta do mundo.

E o pai apenas suspirou, sob o olhar compreensivo da mãe.

Nos dias que se seguiram, empenharam-se todos três nos preparativos da viagem, que eram, naturalmente, complicados. Os montes Himalaia ficam muito longe, na Ásia, e, além disso, havia que obter os equipamentos próprios para a escalada, tendo em atenção as baixíssimas temperaturas que se fazem sentir nas grandes altitudes. Isto de subir ao Evereste, o mais alto cume do globo, era façanha de monta. Todos os pormenores deveriam ser cuidadosamente estudados.

Finalmente, chegou o dia da partida. E os pais despediram-se do seu filho que, determinado, largou em busca do topo do mundo.

 Depois, chegaram as notícias espaçadas, como era habitual: de como a subida fora difícil, mas bela; da descrição dos acampamentos onde a neve e o gelo surgiam como únicas companhias; do momento espantoso em que, num esforço final, asteara a bandeira verde-rubra no pico mais alto; da descida íngreme e escarpada; da estadia num convento budista, em retiro espiritual.

E muitos meses depois, longo tempo passado, o Joaquim regressou. Como de costume, vinha calmo e compenetrado, aceitando com tranquilidade o acolhimento entusiástico de que era alvo.

O restaurante embandeirara-se para o receber, e estava completamente cheio. Famílias inteiras tinham viajado de todo o país, em camionetas, de automóvel ou de comboio, só para o avistarem. As crianças ansiavam por um autógrafo do seu herói. Os adultos admiravam a sua bravura.

Os corredores achavam-se apinhados, e nas salas de refeição todos os cantos haviam sido aproveitados. Não havia lugar nem para mais uma pessoa. Todos queriam vê-lo e felicitá-lo. Aguardavam, com expectativa, que o Joaquim desvendasse os seus projectos!

O pai e a mãe, reconfortados pela presença do filho, não cabiam em si de contentes, e desejavam saborear a sua estadia junto deles. É claro que sabiam que o Joaquim ficaria por pouco tempo, como usava fazer, pois já devia ter mais planos para o futuro.




Desta vez, foi ele quem chamou o assunto.
Sentado à mesa do pequeno almoço, com a mãe e o pai, o Joaquim anunciou:

  - Pais, gostei muito da vida que levei até agora e de todas as viagens que fiz. Sonhei ir o mais longe que é possível ir, e viajei até Marte. Desejei conhecer todo o planeta em que vivemos, e visitei cada um dos seus oceanos e continentes.  Quis subir até ao cume mais elevado da Terra, e realizei a escalada. Contudo, percebi que me falta alguma coisa, algo de muito importante, que me é mesmo essencial. Por isso, vou mudar de vida.

- Sim, filho?! - exclamaram os pais, expectantes.

- Vou tomar conta do restaurante e assentar. Preciso de um lar e da vossa companhia.   

Escusado será narrar a alegria daquele casal que tanto amava o seu filho e para ele desejava o melhor!

Como decidira, o Joaquim assentou. Casou lá na terra, teve filhos, acompanhou os pais e tomou conta do restaurante.

O Restaurante do Joaquim tornou-se, afinal, no restaurante mais famoso do planeta, por pertencer ao Joaquim - o homem que pisou Marte, navegou sozinho à volta da Terra, e subiu ao cume mais alto do globo.

Feliz, com os filhos pequeninos nos braços, o Joaquim conta-lhes, por vezes, as suas aventuras. E exorta-os a tomarem conta do restaurante.
Amanhã, pela manhã, já está combinado, o Joaquim vai começar a ensinar os meninos a nadar!


terça-feira, 10 de julho de 2012

A LÍNGUA DE NHEM, poesia de Cecília Meireles


Old Lady - Pintura da Galeria de Arte

dos Estudantes de Snoqualmie Springs School




Havia uma velhinha
que andava aborrecida
pois dava a sua vida
para falar com alguém.

E estava sempre em casa
a boa velhinha
resmungando sozinha:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

O gato que dormia
no canto da cozinha
escutando a velhinha,
principiou também
 

A miar nessa língua
e se ela resmungava,
o gatinho a acompanhava:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...
.
 

Depois veio o cachorro
da casa da vizinha,
pato, cabra e galinha
de cá, de lá, de além,
.

E todos aprenderam
a falar noite e dia
naquela melodia
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...

De modo que a velhinha
que muito padecia
por não ter companhia
nem falar com ninguém,

ficou toda contente,
pois mal a boca abria
tudo lhe respondia:
nhem-nhem-nhem-nhem-nhem-nhem...


terça-feira, 3 de julho de 2012

A MENINA E A RAPOSA, curta metragem


The Girl and the Fox from Base14 on Vimeo.

 
A Ilona é uma menina de nove anos que vive, com o pai e a mãe, ao pé da floresta. 
A comida escasseia e, quando uma raposa misteriosa começa a assaltar-lhes a capoeira, ela sente-se obrigada a perseguir a estranha criatura para assegurar a sobrevivência da sua família.

Fiquei feliz ao encontrar esta curta de animação com uma heroína chamada Ilona! 
Trata-se de uma obra muito bem feita, com desenhos, cores e movimentos delicados e harmoniosos, uma bela banda sonora e uma história muito tocante. 

Esta curta-metragem recebeu vários prémios e nomeações:

• Student Academy Awards (Animação Nomeada)
• Annie Awards (Nomeada para Melhor Argumento de Curta Metragem)
• ASIFA-East Awards (Excelência do Design)
• College Television Awards (2º Lugar em Animação, Geena Davis Award for Focus on Gender Equality)
• Palm Springs International ShortFest (Selecção Oficial)

domingo, 1 de julho de 2012

A CABANA COR DE ROSA, história da Avómi

Pintura de William Charles Perry

 Certo dia, andavam três meninos a fazer corridas numa praia, quando viram, ao longe, uma casinha toda cor de rosa; as paredes eram cor de rosa, as portas eram cor de rosa, as janelas eram cor de rosa e até o telhado era cor de rosa.

Os meninos acharam tanta graça que, curiosos, correram logo para lá, pois queriam ver bem de perto, que casa era aquela. À distância que antes de encontravam, não podiam ver, exactamente, que tipo de casa era, mas quando se aproximaram, viram que se tratava duma cabana tão bonita, que ficaram maravilhados.

A primeira coisa que o Tomás, o Vasco e o Miguel quiseram saber, foi quem vivia naquela cabana, pelo que, bateram à porta. Bateram, bateram, mas ninguém respondeu. Então, resolveram ficar por ali, a brincar, talvez mais tarde aparecesse o dono ou a dona daquela linda cabana.

Já começava a escurecer, quando os meninos avistaram, a uma distância grande, um vulto. Pareceu-lhes uma menina, porém estava tão afastado, que não podiam garantir que fosse. Quando o vulto se aproximou, então sim, depararam com uma linda menina de cabelos e olhos castanhos, vestida de cor de rosa. A menina era tão bonita, que eles ficaram boquiabertos a olhá-la e perguntavam-se, porque viveria ela na praia, mesmo à beira-mar.

A menina também se admirou, quando viu aqueles meninos, àquela hora da noite, a passear pela praia, e perguntou-lhes quem eram e o que faziam ali. Eles responderam, que andavam a brincar na outra extremidade da praia, quando avistaram aquela casa e quiseram aproximar-se, para vê-la de perto, e também para saberem quem ali morava. Como após baterem à porta, constataram que não estava ninguém em casa, decidiram aguardar pela chegada de alguém, por isso ainda estavam ali, apesar da hora tardia. Por sorte, estava um luar que parecia dia e puderam continuar a brincar.

A menina perguntou aos meninos se podia brincar com eles, aqueles responderam que sim, mas que antes, queriam saber a razão por que uma menina tão bonita, estava na praia sozinha e a viver numa cabana. Ela riu-se e respondeu-lhes que não vivia na cabana, que aquela cabana era apenas uma casinha onde tinha muitos brinquedos, numa sala enorme, onde costumava brincar com os seus amigos. Tinha ainda uma sala de refeições, para, após as brincadeiras, ela e os amigos se consolarem a comer uns ricos lanchinhos confeccionados pela cozinheira e pela ajudante.

Pormenor de Postal de 1890


- A cabana parece pequena, mas vocês vão ver... – disse a menina - Vamos então brincar um bocadinho e depois mostro-vos a cabana por dentro.

- É uma ideia óptima – disse um dos meninos – Mas onde é a tua casa? É muito longe daqui?

- Não. – respondeu ela – Vês ali aquela escadinha? Sobe-se a escada e a minha casa é aquela que fica lá em cima, onde há muitas árvores de grande porte. Estão a ver?

- Sim, sim. – responderam todos.

Os meninos estavam cada vez mais admirados, pois aquela casa era um palácio enorme construído entre muralhas e, contava uma lenda, que era habitado por um rei que ninguém conhecia.

- Então vá, vamos brincar. – disse a menina.

- Mas tu és uma princesa!... – exclamou um dos meninos – As princesas não costumam brincar com os meninos pobres como nós! E se os teus pais ficam zangados contigo, por estares a brincar com meninos da rua?

- Não se preocupem. – respondeu a princesa – Eu sei o que faço.

Brincaram, brincaram... Já era madrugada, quando a princesa os levou para a cabana, porque estavam muito cansados e cheios de sono.

Quando entraram na cabana, depararam com uma mesa enorme repleta das iguarias mais variadas, que lhes foram servidas com todo o requinte, por empregados com fardas muito bonitas com galões e botões dourados.

 Terminada a refeição que muito bem lhes soube, os meninos, sob a orientação da menina, começaram a deslocar-se dentro da cabana... Aquilo não era uma cabana, mas sim um palácio. Quem via por fora, pensava que era uma cabana pequenina, mas lá dentro havia uns corredores subterrâneos que os  conduziram a quartos maravilhosos. Eles não queriam acreditar no que estavam a ver, mas o cansaço era grande e logo que chegaram aos respectivos quartos, deitaram-se e adormeceram profundamente.

No dia seguinte acordaram com o toque de uma campainha e levantaram-se ainda ensonados, sem saberem onde estavam, mas a chegada da princesa, logo os fez lembrar o que se tinha passado na véspera. A princesa disse-lhes:

- Venham comigo, pois tenho uma surpresa para todos.

- Uma surpresa?! – perguntou o Tomás – Só estão a acontecer surpresas, desde que chegámos à praia!

- Pois é! – exclamou o Vasco – Temos tido surpresas agradáveis e penso que a princesa nos vai surpreender com alguma coisa boa.

- Como te chamas? – perguntou o Miguel à princesa.

- Chamo-me Carlota – respondeu a princesa. A surpresa que eu tenho para os meus amigos é a seguinte:

- Vocês disseram-me ontem, que vivem na rua, e eu fiquei a pensar nisso. Como tenho uma casa muito grande e quartos suficientes para todos, estão convidados a viver nesta casa, com todo o conforto que ela tem para vos oferecer. Serão ensinados pelos meus professores, farão parte da minha família. Os meus pais ficarão muito contentes, quando lhes anunciar que a nossa família vai aumentar. Eles gostavam de ter muitos filhos, mas infelizmente, isso não aconteceu. Eu também gostava de ter irmãos, porém sou filha única, por isso, ficaremos todos satisfeitos, já que penso que vocês aceitarão com agrado, a minha proposta.

  
 Aguarela de António José Baptista


- Aceitamos e agradecemos muito, linda princesa. – disse o Miguel, abraçando-a. – Esta foi a melhor surpresa que tive em toda a minha vida, assim como os meus amigos. Nós nunca tivemos família nem sabemos quem são os nossos pais.

- Estou a sonhar!... – exclamou o Vasco – isto não é verdade! Esta princesa é a fingir, assim como este palácio, a cabana...

- Não estás a sonhar, não. – disse a princesa – É tudo verdade.

- Não acredito! – acrescentou ainda o Tomás – Tu deves ser uma fada que nos apareceu e daqui a pouco desapareces e lá se vão os nossos sonhos por água abaixo.

- De modo nenhum! – continuou a princesa – Vou já levar-vos junto dos meus pais, para que fiquem a conhecê-los.

Caminharam por corredores e corredores, subiram escadas e escadas, a princesa foi-lhes mostrando todas as divisões, até que, finalmente, chegaram a uma sala onde se encontravam os pais da princesa e, esta disse-lhes.

- Estes meninos não têm família nem casa onde morar. Vivem na rua e eu queria que eles viessem para a nossa casa e fizessem parte da nossa família.

Os ilustres Senhores, após longa conversa com os meninos e depois de terem a certeza que eles queriam mesmo ficar a viver naquela casa e a fazer parte da família, chamaram os empregados do palácio, para serem apresentados aos novos moradores e também para ordenarem que preparassem os aposentos destinados a cada um deles.

Dali em diante, os moradores daquele palácio passaram a ser mais felizes. O rei que antes não saía de casa, passou a sair com a família da qual faziam parte aqueles meninos que um dia percorreram uma praia de uma ponta à outra, para verem uma casa cor de rosa que, afinal, era uma cabana...