domingo, 28 de novembro de 2010

A PRINCESA COM CORAÇÃO DE OURO, história da Avómi

Princesinha, pintura de Numpueng

Era uma vez uma Princesa que vivia num Castelo situado no meio dum bosque. A Princesa não era bonita nem feia, mas tinha um coração de ouro e vivia para ajudar as pessoas necessitadas.


O pai da Princesa era um Rei muito austero, ganancioso, egoísta, e não lhe agradava nada que a filha fosse tão boazinha, pelo que resolveu mandar construir aquele castelo, precisamente para levar para lá a Princesa e assim privá-la de ter contactos. A Princesa ficou completamente isolada e por companhia tinha apenas os Servos.

De vez em quando o Rei visitava a filha, mas não lhe fazia um carinho nem sequer reparava na sua tristeza. Apenas a rodeava de luxo e conforto.

A Princesa, encerrada naquela masmorra, deixara de ser feliz, já que naquele lugar tão distante não podia fazer o que seu coração pedia. Passava horas e horas a magicar sobre a possibilidade de se ver livre de tão terrível cativeiro, mas no meio do bosque cerrado sem que ali aparecesse viva alma, que poderia fazer?

A Camareira que o Rei destinara à Princesa era sisuda e pouco faladora, por isso a Princesa tinha receio de manifestar a sua preocupação, e passavam dias e dias sem se dirigirem uma palavra.

Certo dia, ao entrar nos aposentos da Princesa, a Camareira apercebeu-se de que ela havia chorado copiosamente e ficou preocupada. Perguntou-lhe se sentia alguma dor, ou se algo lhe faltava, ao que a Princesa respondeu, não com palavras, mas com um choro exasperado.

Os Mestres andavam também preocupados com o desinteresse da discípula, tanto mais que antes ela era muito aplicada. Até o piano que antes tanto gostava de tocar, pôs completamente de parte. Apenas bordava afincadamente com o intuito de, na primeira ocasião, arranjar maneira de vender os bordados na cidade, para assim poder ajudar as pessoas necessitadas.

A Camareira observava-a todas as manhãs, e à medida que os dias passavam, achava-a mais triste e a emagrecer a olhos vistos, pelo que, certo dia, já muito preocupada, resolveu propor à Princesa ajudá-la no que quisesse, sem que o Rei tomasse conhecimento. A Princesa, agradecida, pediu-lhe que fosse à cidade vender todos os bordados que fizera e que entregasse todo o dinheiro da venda a uma instituição cujo nome indicou, mas com a condição de mais ninguém saber.

Como se deslocaria a Camareira até à cidade que era longe, nem uma nem a outra pensou.

Já a Camareira saia dos aposentos da Princesa, quando esta se lembrou do pormenor da deslocação à cidade. Chamou-a pedindo-lhe que trouxesse o Cocheiro junto de si. Aquela obedeceu prontamente, não sem sentir uma certa curiosidade, mas como a Princesa nada mais disse, limitou-se a cumprir as suas ordens.

O Cocheiro chegou pouco depois e a Princesa disse que precisava dum favor seu e ele, receoso, respondeu, que se não fosse contra as ordens do Rei, tudo faria. Perante esta resposta, a Princesa ficou perplexa e sem saber que fazer.

No dia seguinte, após uma noite mal dormida, a Princesa contou o sucedido à Camareira que também ficou preocupada e, sem que pudesse fazer fosse o que fosse para ajudar a Princesa, resolveu mandar um Mensageiro a Sua Majestade, dado que receava pelo seu estado de saúde que de dia para dia ia agravando. Era melhor que o Rei visse com os seus próprios olhos como se encontrava a filha.

O Rei apesar de ser mau e egoísta, amava a filha, de modo que assim que recebeu a mensagem, pôs-se a caminho. Quando chegou ao Castelo e viu a filha naquele estado de magreza e angústia, decidiu que deveria chamar o melhor Médico do Reino para observar a menina.

Mandou chamar o Cocheiro e entregou-lhe uma mensagem, para que fosse urgentemente levá-la ao endereçado.

A Camareira estava presente e aproveitou para pedir autorização a Sua Majestade para viajar com o Cocheiro, aproveitando assim para tratar de assunto de certa importância na cidade, o que vinha adiando há algum tempo, por não ter possibilidade de se deslocar.

O Rei, embora com pouca vontade, autorizou a Camareira a deslocar-se à cidade, pois o que o preocupava no momento, era a saúde de sua filha. Ordenou que partissem quanto antes e recomendou ao Cocheiro que não o queria de volta sem o Médico.

Partiram pela madrugada, tendo chegado de manhã cedo à cidade. Chegados ali, cada um seguiu o seu destino; o Cocheiro dirigiu-se a casa do Médico e a Camareira ao local que a Princesa indicara para a venda dos bordados.

O Médico não se encontrava em casa, mas no hospital a assistir a um doente cujo estado inspirava cuidados especiais e não o abandonaria nas próximas horas, pelo que resolveu que só partiria na manhã seguinte. Para isso,deixaria o seu doente entregue a outro Médico que o substituiria.

Assim, a Camareira teve tempo de vender todos os bordados e de entregar os donativos na Instituição indicada pela Princesa.

No dia seguinte, partiram bem cedo para o Castelo e chegados lá, o Médico dirigiu-se aos aposentos da Princesa, seguido da Camareira que através do olhar transmitiu à Princesa que tudo correra bem.

Após exame minucioso, o Médico afirmou ao Rei que o estado da Princesa não era grave, mas que poderia tornar-se se continuasse enclausurada no Castelo e naquele ermo. Aconselhava-o, portanto, a tirá-la dali ou, pelo menos, a deixá-la sair diariamente para um passeio a pé e uma vez por outra far-lhe-ia bem ir até à cidade.

O Rei olhou o Médico de soslaio, cofiou o bigode farto, manteve-se calado algum tempo e depois de alguns minutos de reflexão decidiu autorizar a Princesa a sair sempre que quisesse, mas acompanhada da Camareira.

Assim terminou o cativeiro da Princesa.

sábado, 20 de novembro de 2010

VIDA DUPLA, poesia de Maria da Fonseca

Pintura de gato, de Geoffrey Tristram

-A gata tem doze anos -
Passa o seu tempo a dormir,
Não incomoda ninguém,
E só tarde vai sair.

- Mas à noite o que fará? -
Parece sempre cansada.
Só acorda pra comer,
E adormece, confiada.

Tapa os olhos co'as patitas
Num assomo de candura.
- A Fofinha é muito linda! -
Diz a Irene com brandura.

O seu pêlo é tigrado,
E mantém-se tão sedoso!
Ao querer dar marradinhas,
Seu miado é carinhoso.

- Andará atrás dos ratos?
Mas não posso acreditar,
Que uma gata tão mansinha
Ande de noite a caçar!

- Pois olhe que pode crer,
A Fofinha, esta beleza,
De que nós tanto gostamos,
Segue as leis da Natureza.

E mal que assim não fosse! -
A gatinha tão formosa
E simpática de dia,
Torna-se, à noite, ardilosa.

segunda-feira, 1 de novembro de 2010

O PÃO-DE-LÓ, história de Ilona Bastos


Pela manhã, a mãe do David levantou-se, de caracóis revoltos, lavou as mãos e correu à cozinha.

Aí, ferveu o leite, que deitou sobre o chocolate em pó, cortou uma gorda fatia de pão-de-ló, e tudo dispôs num tabuleiro, com uma palhinha vermelha e um alvo guardanapo de papel.

Depois, foi a vez de acordar o David, ensonado, recusando abrir os olhos.

- Bom dia, filhote! - cantou a mãe. - Vamos acordar.

O menino murmurou:

- Não...

- São horas de levantar! - disse a mãe, olhando o relógio.

O menino voltou-se na cama e resmungou:

- Não.

- Olha que tens de ir para a escola e não deves chegar atrasado! - lembrou a mãe, destapando o dorminhoco.

O menino fechou os olhos com força e agarrou-se aos cobertores:

- Não!

- Ai! Ai! - zangou-se a mãe. - Tu não queres acordar e lá dentro o pão-de-ló não pára de reclamar.

- O pão-de-ló? - perguntou o David, abrindo os olhos.

- Sim, o pão-de-ló - respondeu a mãe, expedita. - Não sei o que combinaste com ele, mas insistiu imenso em falar contigo, não me deixou sossegada, e agora está na sala, à tua espera...

- O pão-de-ló! - exclamou o menino, de olhar brilhante, sentando-se na cama.

Depois, sorriu, maroto, estendendo os braços:

- Ajuda-me, mãe. Tenho uma reunião importante, agora.

- Sim? – perguntou, a mãe, aliviada, entregando ao filho a camisa e as calças de ganga. - Tens uma reunião na escola, com a professora?

O David torceu o nariz e acabou por soltar uma gargalhada:

- Não, mãe, não! Na sala, com o pão-de-ló!