quinta-feira, 29 de julho de 2010

AS CIGARRAS, poesia de Maria da Fonseca



Vocês gostam de calor

Olhem que eu não tanto assim.

Fujo pra casa agastada,

Nem olho pró meu jardim.


O vosso cantar estridente

É prenúncio de quentura.

Ó cigarra cantadeira,

A formiga te censura.


Sem pensar no frio Inverno

Passas o Verão a cantar

Em vez de guardar sustento

Prós filhos alimentar.


Terá La Fontaine razão

Na fábula que criou?

Eu sinto-me a formiga

Que arrecada o que achou.


Queima o Sol na varanda

Enquanto eu estendo a roupa

E tu cantas, cantas sempre,

Agora que faço a sopa.


O Senhor nos fez assim

Cada um com uma missão

E à cigarra destinou

Que cantasse no Verão.





sábado, 24 de julho de 2010

TIM, O Cocker Spaniel, história de Ilona Bastos

O Tim é um cãozinho felpudo como nenhum outro! O seu pêlo é dourado e as orelhas são longas. Não gosta de se deixar pentear, porque quer reconhecer bem o objecto que lhe estão a passar pelo corpo. A escova é uma coisa estranha, com pauzinhos espetados. E por isso tem que ser cheirada devidamente.


O Tim é traquinas, e quando percebe que não está a ser observado rói tudo o que consegue alcançar. Levanta-se nas duas patas traseiras, estende muito o focinho esperto, alonga a patita em pequenas sapatadas e consegue apanhar mais uma colher de pau. Depois, zumba, zumba, é só roer a concha de um lado e do outro, até o utensílio ficar reduzido a um pedaço de madeira grande, rodeado de muitos outros pedacinhos de madeira, todos espalhados pelo chão da cozinha.


O Tim é doido por feijão verde. E fiambre. E frango! Mas também come papel. Vai buscá-lo a qualquer lado, e corre ligeiro para um lugar seguro, fora das vistas dos donos. Aí, põe-se a mastigar, como quem masca pastilha elástica. Ora vejam só!


O Tim tem uma cauda pequenina, que não pára de abanar se o bichinho está feliz. Até parece um abanico, quando o cãozinho se levanta para saudar as visitas ansiadas ou para festejar a chegada dos donos regressados do trabalho.


O Tim é um descobridor de meias. Fareja-as a léguas e não consegue resistir-lhes. Aproxima-se do cesto da roupa, abre-o com o focinho e faz o seu trabalho: por entre camisolas, calças e pijamas, detecta um delicioso par de peúgas azuis! E quem consegue alcançá-lo, quando se afasta, lépido, em passinho saltitante, com um brilho maroto no olhar?


E olha que o Tim é mimalho! Apanha o osso com destreza e, rápido, trepa para cima do sofá, invadindo o colo dos donos sem cerimónia. Encosta-se, segura o seu tesouro entre as patinhas, e põe-se a roer sofregamente, satisfeito com as festas e as palavras carinhosas que os donos não lhe regateiam. Mas se alguém o chama, de fora, olha pelo canto do olho como só ele o faz, com o mimo e a prosápia de um cachorrinho sabido.


Ai Tim, Tim, quem resiste ao teu encanto!?

terça-feira, 13 de julho de 2010

AS FADAS, poesia de Antero de Quental (excerto)

Virginia Frances Sterrett, Old French Fairy Tales


As fadas... eu creio nelas!
Umas são moças e belas,
Outras, velhas de pasmar...
Umas vivem nos rochedos,
Outras, pelos arvoredos,
Outras, à beira do mar...

Algumas em fonte fria
Escondem-se, enquanto é dia,
Saem só ao escurecer...
Outras, debaixo da terra,
Nas grutas verdes da serra,
É que se vão esconder...

O vestir... são tais riquezas,
Que rainhas nem princesas
Nenhuma assim se vestiu!
Porque as riquezas das fadas
São sabidas, celebradas
Por toda a gente que as viu...

Quando a noite é clara e amena
E a Lua vai mais serena,
Qualquer as pode espreitar,
Fazendo roda, ocupadas
Em dobar suas meadas
De ouro e de prata, ao luar.

O luar é os seus amores!
Sentadinhas entre as flores,
Ficam-se horas sem-fim,
Cantando suas cantigas,
Fiando suas estrigas,
Em roca de ouro e marfim.

Eu sei os nomes dalgumas.
Viviana ama as espumas
Das ondas, nos areais.
Vive junto ao mar, sozinha,
Mas costuma ser madrinha
Nos baptizados reais.

Morgana é muito enganosa:
Às vezes, moça formosa,
E outras, velha, a rir, a rir...
Ora festiva, ora grave,
E voa como uma ave,
Se a gente lhe quer bulir.

Que direi de Melusina?
De Titânia, a pequenina,
Que dorme sobre um jasmim?
De cem outras, cuja glória
Enche as páginas da história
Dos reinos de el-rei Merlin?

Umas têm mando nos ares;
Outras, na terra, nos mares:
E todas trazem na mão
Aquela vara famosa.
A vara maravilhosa,
A varinha de condão!

O que elas querem, num pronto
Fez-se ali! parece um conto...
Mesmo de fadas... eu sei!
São condões, que dão à gente,
Ou dinheiro reluzente,
Ou jóias, que nem um rei!

A mais pobre criancinha.
Se quis ser sua madrinha,
Uma fada... ai, que feliz!
São palácios, num momento...
Beleza, que é um portento...
Riqueza, que nem se diz...

Ou então, prendas, talento,
Ciência, discernimento,
Graças, chiste, discrição...
Vê-se o pobre inocentinho
Feito um sábio, um adivinho,
Que aos mais sábios vai à mão!


domingo, 11 de julho de 2010

A GATINHA GARFILDA, história da Avómi

Pierre-August Renoir, Retrato da menina Julie Manet com gato

A Garfilda é uma gatinha selvagem que, depois de deambular pelas ruas, triste, cheia de fome e frio, teve a sorte de encontrar a Paula, uma menina que gosta muito de animais e não gosta de vê-los sofrer.


Quando se encontraram, a Garfilda olhou para a menina, muito triste e ao mesmo tempo receosa e desconfiada, pois já se tinha cruzado com outras pessoas que não só a não acolheram, mas até a enxotaram. A Paula chegou-se a ela, fez-lhe uma festinha, a Garfilda foi-se chegando, chegando, com muito cuidado, a menina foi falando com ela, até que se chegou bem perto para lhe pegar ao colo. A gatinha tentou fugir, mas a Paula voltou a fazer-lhe festinhas e conseguiu pegar-lhe.


- Que pêlo tão macio tem esta gata! - exclamou a Paula - Parece veludo. E a gracinha das patas e do narizito, de cor diferente do resto do corpo! Vou levá-la para casa. O pior é o Boby! Sempre ouvi dizer que os cães o os gatos não se dão bem, mas, mesmo assim, vou tentar.


E lá foi a Paula com a gatinha ao colo até casa. Mal entrou a porta o Boby começou a ladrar e a saltar para morder a gatinha. Por sua vez a Gatinha Garfilda, também zangada, ficou com os pêlos em pé, os bigodes arrebitados, e as unhas afiadas já iam direitinhas à cabeça do Boby, se a Paula não tivesse agido com cautela, segurando-a bem. Mesmo assim teve uma certa dificuldade para se proteger a si própria daquelas unhas afiadas.


Perante tal situação, a Paula, cheia de pena, viu-se obrigada a procurar alguém que quisesse ficar com a Garfilda, para não ter que assistir a uma luta entre cão e gato. Para isso, tratou de dar voltas à imaginação...


- Tenho que arranjar alguém que trate bem da Garfilda. E se a desse à tia Augusta? A tia não tem outro animal em casa e gosta tanto de gatinhos! Não procurarei ninguém sem falar com a tia.


Palavras não eram ditas, alguém bateu à porta e era mesmo a tia Augusta.


- Olha tia, que linda gatinha! Queres levá-la para tua casa? Gosto muito dela, mas por causa do Boby não a podemos ter.


- Não te preocupes, Paula. - disse a tia Augusta - Levá-la-ei para casa e vê-la-ás sempre que queiras.


A Garfilda foi para casa da tia Augusta que se apressou a ir comprar uma caminha bem confortável, um cestinho para quando viajasse de automóvel, uma trela para quando passeasse no jardim e ao longo da praia, e ainda comprou um guiso para fazer tlim, tlim, sempre que a Garfilda se mexesse.


No primeiro dia a Garfilda portou-se bem, mas em vez de dormir na cama tão bonitinha e fofa, foi dormir em cima da máquina de lavar roupa. Até pregou um susto à tia Augusta que no dia seguinte se dirigiu ao sítio onde tinha posto a caminha dela e não a encontrou na cama. Teve que andar pela casa toda à procura da bichana e foi encontrá-la toda refastelada em cima da máquina de lavar roupa.


Conversando com a Garfilda, foi-lhe dizendo que ali não era a sua cama e levou-a até à cama, deitou-a, fez-lhe festinhas... Mas a Garfilda, selvagem como era e sem hábitos tão requintados, fugiu, começou a trepar pelos cortinados, por cima dos móveis... Enfim, fez uma quantidade de maldades que deixaram a senhora triste.


- Daqui até que consiga domesticá-la, não sei quanto tempo levarei. - pensou a tia Augusta - Entretanto, ela estragar-me-á os móveis, os cortinados, partir-me-á coisas que tanto estimo, destruirá tudo que lhe aparecer pela frente, quando andar nestas correrias. Será melhor dá-la a alguém que tenha um sítio onde ela possa fazer as suas corridas à vontade.


Resolveu dar a bichinha, mas, para isso, teria que procurar alguém que a estimasse, pois certas pessoas querem os animais e depois tratam-nos mal e até os abandonam. Sobretudo, quando saem para férias ou para qualquer viagem demorada.


A tia Augusta encheu-se de coragem e saiu de casa com o fim de procurar alguém que lhe inspirasse confiança. Andou, andou, foi olhando para todas as pessoas... A dada altura viu uma menina encostada a uma mota e com um capacete na cabeça. Gostou da menina, achou que ela tinha cara de boazinha e perguntou-lhe:


- Quer uma gatinha? É uma gatinha muito bonita! Mas previno-a de que é muito endiabrada. Só a deve aceitar se tiver um sítio onde ela possa estar à vontade, sem correr o risco de estragar os móveis ou os cortinados ou quaisquer outros objectos. Quando ela resolve correr e trepar, passa por cima de tudo.

Gosto muito da Garfilda, mas não a posso ter em casa, porque não tenho espaço para ela poder fazer as suas correrias. Só lha dou, se me prometer que a trata com carinho.


- Há tanto tempo que desejo ter uma gatinha! - disse a menina - Quero-a, sim e hei-de tratá-la com muito carinho! Onde está ela?


- Está na minha casa, - disse a tia Augusta - mas vou já buscá-la, se me prometer que a tratará muito bem.


- Tratá-la-ei muito bem, pode ficar descansada. Ela terá uma marquise para saltitar como lhe apetecer, sem que tenhamos de nos preocupar.


Minutos depois já a Garfilda tinha nova dona, pois a tia Augusta foi a casa buscá-la e já estava de volta no seu carro com a Garfilda dentro do seu lindo cesto, embora pouco satisfeita por se sentir presa.


A Sofia pegou no cestinho e, na sua motinha, foi logo pô-la em casa.


Parece-me que fez algumas maldades em casa da Sofia, enquanto não se habituou a fazer as correrias só na marquise.


A Sofia teve algum trabalho, mas conseguiu habituá-la. Agora só vai para as outras divisões da casa, quando está alguém para a vigiar. É só por precaução, pois a Garfilda já está domesticada.


1990/06/25