segunda-feira, 11 de abril de 2011

A PRIMAVERA, poesia de Guerra Junqueiro

 Alphonse Maria Mucha, Espírito da Primavera


Namorou-se uma princesa
Dum pagem loiro e gentil;
Chama-se ela - Natureza,
Chama-se o pagem - Abril.

A Primavera opulenta,
Rica de cantos e cores,
Palpita, anseia, rebenta
Em cataclismos de flores.

O olhar d'oiro das boninas
Contempla o azul: ao vê-las,
Dir-se-ia que nas campinas
Caíram chuvas d'estrelas.

Entre as sebes orvalhadas
Dos rumorosos caminhos
As madressilvas doiradas
Tapam as bocas dos ninhos.

Os negros melros farsantes
Dão risadas zombeteiras
Dos loureirais verdejantes
Nas luminosas trapeiras.

A gentil, mimosa Flora
Abriu os olhos ideais;
Os seus pés da cor da aurora
Andam nus sobre os trigais.

Vai a correr e a atirar
Coas róseas mãos pequeninas
Borboletas para o ar,
Lilases para as campinas.

Polvilha de oiro e de prata
O campo, o bosque, o vergel;
Aos seus lábios de escarlata
Vai buscar a abelha o mel.

Seus peitos entumescidos
São dois montes feiticeiros,
Todos cobertos, floridos
Com selvas de jasmineiros.

Os insectos deslumbrantes, 
Inflamados como brasas,
São ametistas, diamantes, 
São carbúnculos com asas.

Uns, feitos para a batalha,
Tendo a guerra por destino,
Vestiram cotas de malha
De aço e bronze e oiro fino.

Outros, artistas mimosos,
Têm librés resplandecentes
Dos veludos mais preciosos,
Das rendas mais transparentes.

Tudo ri e brilha e canta
Neste divino esplendor:
O orvalho, o néctar da planta,
O aroma, a língua da flor.

Enroscam-se aos troncos nus
As verdes cobras da hera.
Radiosos vinhos de luz
Cintilam na atmosfera.

Entre os loureiros das matas,
Que crescem para os heróis,
Dá o luar serenatas
Com bandas de rouxinóis.

É a terra um paraíso,
E o céu profundo lampeja
Com o inefável sorriso
Da noiva ao sair da igreja.



Sem comentários: