domingo, 12 de julho de 2009

O MENINO RABINO, história de Ilona Bastos


Era uma vez um Menino Rabino que não parava de falar. Falava sozinho. Falava aos pássaros, que lhe respondiam em alegre chilrear. Falava às flores, que encenavam danças ao vento. Falava ao próprio vento, que desconversava em rabanadas vigorosas. E por vezes falava às pessoas, que o ouviam, surpreendidas, não entendendo as suas palavras. Então, o Menino esbracejava, lançando os pequenos punhos ao ar, para em seguida os baixar e continuar o seu caminho.
Por tudo se interessava o Menino, de olhar irrequieto, observando, tacteando com os seus deditos gorduchos, depois atirando: a bola em que pegara; o carro dos bombeiros, buzinando, estridente; o coelho de peluche, de dentitos atrevidos; a revista rasgada, salpicando a cor dos anúncios pelo chão da sala.
Que intrigante, o Menino Rabino! Meiguinho, de acariciar na maciez das suas bochechinhas coradas ou no dourado do seu cabelo suave. E falador, sempre, sempre. Se alguma coisa lhe diziam, o Menino Rabino, com os olhos redondos, malicioso, sorria, e logo iniciava o seu discurso próprio, com palavras que só ele conhecia, muito enfáticas, veementes, exclamativas!
Certo dia, foi o Menino ao campo. Brincou com os esquilos descarados que de árvore em árvore saltitavam, surripiando nozes. Banhou-se no lago, por entre os reflexos dos raios solares e o luzir das escamas dos peixinhos vermelhos. E arranjou um amigo. Era um sapo pequenino e verde, que lançava "croacs e crancs" à sua volta, com surpreendente energia.



Curioso, o Menino Rabino pegou no sapinho e, com uma habilidade insuspeitada, a que deu auxílio a vontade do engraçado batráquio, meteu-o dentro de uma caixa de plástico que transportara os pães para o piquenique.
De regresso a casa, sem chamar a atenção sobre o seu companheiro de viagem, veio o Menino Rabino, bem-comportado, empoleirado no estofo do automóvel, espreitando as árvores que à beira da estrada com eles se cruzavam - alongadas nuvens de verde brilhante - a grande velocidade.
No seu quarto, encontrou o Menino adequado recanto para o visitante que, maravilhado, o olhava. Do jantar, comido em silêncio, retirou uma malga de água que para o esconderijo levou, à socapa. E ninguém desconfiou de nada, pese embora o facto de o Menino não falar, o que não era seu hábito.
Com o amigo, no quarto, também a conversa não era necessária. Por estranho que pareça, bastava um sorriso, um gesto, um olhar, e logo se entendiam. Tudo estava dito.
O sono da noite foi bom para os dois que, já depois de apagada a luz, a janela aberta, a cortina afastada, olharam as estrelas até tarde. O cantar dos grilos fez-se nítido por entre o ladrar dos cães, ao luar. Soltaram ainda pequenas gargalhadas a respeito de uma borboleta nocturna que, desastrada, dava turras num candeeiro de rua. Chegaram mesmo a sentar-se no parapeito baixo, de rés-do-chão, e espreitar os ratitos pequenos que rapidamente atravessavam a relva.

Finalmente, adormeceram, felizes.
No dia seguinte é que foi a verdadeira surpresa. Não por causa do sapinho, naturalmente, que se escondeu, por quaisquer artes mágicas, e não foi encontrado. O espanto estava no Menino, que não falava. Sim, de tão falador que era, tornou-se silencioso. E no entanto, não estava triste. Continuava a mostrar interesse por tudo, mas um interesse mais recatado - como direi? - mais sério, como que mais importante. Tão importante que nem dava resposta à mãe quando lhe perguntava se queria leite, ou pão, de que tanto gostava. E, de corrida para o quarto, lépido, ocultando um sorriso matreiro por entre as mãozitas fechadas em concha, acabava na risota com o seu amigo sapinho.
Rebolavam, a rir, sobre a manta azul que cobria o chão. O Menino Rabino tinha um segredo e ninguém o sabia. E o sapito, tão esperto que era, não se deixava apanhar.
Quantas brincadeiras, às escondidas, no quarto! E depois, durante a noite, a ousadia de saltar para a relva e jogar à apanhada, saltitando por entre as árvores do jardim. Estando mais fresco, enfiavam gorros, cabeças abaixo, e cobriam-se com mantas. Quando aquecia, salpicavam-se com a água que o Menino Rabino trouxera da cozinha, ou esgueiravam-se até à mangueira, esquecida no pátio.
Bom, o tempo foi passando, e um belo dia, sem avisos nem despedidas, o sapinho desapareceu. Isso mesmo. O Menino chegou a casa, vindo da escola, e procurou o seu amigo: debaixo da cama, onde às vezes gostava de descansar; em cima do armário, onde se acomodava para o surpreender; rentinho à cómoda, junto aos automóveis, onde frequentemente meditava. E nada. O sapinho não estava lá - apenas a janela aberta.
Ágil, o Menino saltou o parapeito, e tudo lhe pareceu diferente. Não pior, nem mais feio. Somente diferente. Do sapinho, nem sombra.
Ao fundo, rosadas, as nuvens pincelavam tonalidades lindas ao pôr do sol. Alguns pássaros chilreavam. E foi então que o Menino percebeu. Ou melhor, não percebeu!
Não percebeu o que os pássaros diziam. Em contrapartida, o seu canto... Que melodia!
Uma leve brisa soprava, e ao Menino soou a vento, vento agradável e fresco, mas que nenhuma mensagem lhe trazia.
As flores fechavam-se, ao cair da noite sem lhe contar as novidades do costume, que o faziam sorrir. Porém, a cor das suas pétalas encantou o Menino, que as achou encantadoras, nas suas roupas de festa!
O Menino voltou a trepar à janela e entrou no quarto. Por momentos, a ausência do sapinho, seu companheiro, tomou-o de melancolia. Mas foi só durante dois segundos!

Rapidamente, correu para a porta, atravessou o corredor e entrou na sala, onde a mãe punha a mesa, sem palavras, já acostumada aos silêncios do filho.
Então, o Menino Rabino - mais menino, mais rabino do que nunca! - correu de bracitos estendidos para abraçar a mãe.
- Mãe! Mãe! Amanhã vamos dar um passeio ao campo, está bem?
E a mãe percebeu!
A partir desse dia o Menino voltou a falar. Só que de uma maneira diferente: não falava sempre, mas sempre que falava todas as pessoas o entendiam.
Também o compreendeu o sapinho, nosso conhecido, quando o Menino Rabino o reencontrou, meses mais tarde, numa patuscada com os pais à beira do lago. Chefe de família ajuizado, já não soltava à toa os seus “croacs e crancs", mas ao Menino Rabino cumprimentou com grande alegria. Juntos, recordaram as brincadeiras passadas, e ainda soltaram umas belas gargalhadas.
Não se espantem por o sapinho compreender o menino agora que ele falava como todas as outras pessoas. É que os amigos, independentemente da língua que utilizem, sempre se entendem!
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